A greve existe desde os primórdios de nossa sociedade capitalista. Trata-se de uma manifestação de certos grupos representativos insatisfeitos com sua situação perante uma série de acontecimentos. Na maioria das circunstâncias reivindicam por melhorias na sua classe desfavorecida pelas políticas adotadas por governos, empresas, corporações ou grandes blocos. Poucas greves obtiveram grandes resultados que transformassem a realidade das pessoas que lutavam por mudanças. Na verdade, quanto maior fosse a vontade do povo de mudar e fazer mudar o mundo, maior era a punição recebida por indivíduos que representavam essa vontade. Punição essa proporcional ao impacto causado na sociedade. Como sabemos Galileu, Tiradentes, Joana Dark, Martin Luther, Jesus, são exemplos de líderes que foram culpados por serem controvertidos e incomodarem o poderio desonesto ao reivindicarem por mudanças.
Poucos os que lutaram no passado por causas hoje reconhecidas como ponderáveis e relevantes para um crescimento democrático social sobreviveram para ver as mudanças que seus bravos atos causaram. Muito menos são os que hoje têm vontade de enfrentar estratégias tão articuladas e poderosas produzidas por grandes e inteligentes associações de interesses superiores. Afinal estão todos habituados, cômodos ou admissíveis a dadas circunstâncias. Inoperantes, ou simples engrenagens coniventes de uma máquina autossuficiente e capaz de estabelecer suas regras e diretrizes. Vivemos num modelo pré-estabelecido de sociedade, pouco criticado e questionado, além de quase nada discutido. Tratamos de repetir todos os dias as mesmas designações, de refazer e satisfazer todas as nossas aparentes necessidades, sem buscar ampliar nossa compreensão em relação ao mundo que criamos. Ignoramos o que nos é alheio e quase nunca somos capazes de nos solidarizar. Porém essa talvez seja a natureza do ser humano, assim como é a natureza dos peixes apenas nadar e se alimentar para sobreviver. Trata-se de um caso obscuro onde não se entende muito bem as causas nem os efeitos, pois eles, as causas e efeitos, estão muito implicitamente expostos ou explicitamente escondidos.
Do que adianta reclamar por algo pelo qual poucos estão dispostos a mudar? Para que insistir mais uma vez na mesma prática pela qual pouquíssimas vezes se obtiveram o resultado pretendido? Por que ainda assim se alimenta instintivamente nos jovens a sensação de que há algo realmente deturpado na sociedade? São perguntas das quais a greve em si não trata de responder, mas incita em nossas mentes questionamentos tão inerentes as nossas vidas quanto. Pois são poucos os momentos em que paramos para pensar e saímos de nossa zona de conforto para tentar fazer algo pelo coletivo que realmente valha a pena. Na era do individualismo impera a vontade única de satisfazer o próprio ego, de se sentir satisfeito pelas conquistas e objetivos alcançados em engrandecimento próprio. Sempre foram poucos os que conseguiram superar o próprio ego para lutar por melhores condições de vida diante dos enormes abismos sociais nos quais vivemos. Sem nos darmos conta alimentamos com o combustível de nosso suor esse motor que impulsiona o futuro e que define como tudo acontece, pois não reconhecemos a capacidade em nossos simples atos de transformar o mundo ou de contribuir para que tudo continue do mesmo jeito. Não é atoa que os professores vivem essa situação de desvalorização há dezenas de anos.
Nós, estudantes do curso de matemática, felizmente exercemos nossa democracia numa assembleia realizada na semana passada, com o simples objetivo de dialogar. Mas será que sabemos da repercussão que nossas decisões são capazes de alcançar na sociedade? Discutimos em reunião extraordinária a possibilidade de apoiar, ou não, a greve e o resultado foi favorável a uma forma tosca de vivenciá-la, ou melhor, de ignorá-la. A mesma forma de enfrentá-la que vem sido adotada na UFES há muitos anos. Precisamente, por votação, foi decidido que cada turma analisaria separadamente a proposta dos professores para se trabalhar as aulas na greve, com o objetivo de não atrasar os estudos, ou sobre a égide de que não conseguiríamos mudar nada de qualquer maneira. Isso reflete nossa capacidade de analisar os problemas da sociedade para tentar resolvê-los, reflete a estagnação e caracteriza a desistência de lutar por nossos direitos. Por sermos esse espelho da sociedade, podemos concluir que existe um condicionamento e/ou aprisionamento de ideais sendo gerado em nossas mentes manipuláveis? Analisando como se deu nossa assembleia, podemos notar que não há nenhum interesse da maioria em lutar por causas que possam fazer a diferença em nossa sociedade. Enquanto acreditamos que tantos teoremas e corolários são suficientes para resolver problemas muito mais importantes, negligenciamos a urgência em combater problemas que realmente afetam nossas vidas agora. Visando um diploma, um pedaço de papel que não vai informar em nada que tipo de ser humano somos, fizemos nossa escolha pautados na possibilidade de nos formarmos e abandonarmos a universidade pública, aparentemente. Certamente a matemática é de enorme importância para nossa sociedade. Estudá-la e aperfeiçoá-la é um dever e uma paixão de todos nós, que escolhemos por esse caminho. Todo progresso obtido nessa ciência deveria de fato poder modificar e melhorar as condições nas quais a sociedade se encontra, porém o quadro que conhecemos não é esse. Sabemos que o conhecimento é retido e elitizado, sabemos também que todo conhecimento pode ser utilizado para um bem coletivo, ou um bem individual, ou um mal qualquer. Sabemos também que muitos professores da universidade estão desestimulados e levam sua profissão sem nenhum comprometimento ideológico, mas sim como sua única forma de manter seu mísero padrão de vida devido ao desgaste que já sofreram suas esperanças. O que já fizemos para mudar isso? Será que sabemos qual é o real propósito do conhecimento que adquirimos na universidade, meus caros?
Conhecimento retido é conhecimento inútil. Se você não troca, não compartilha, não ensina, o ideal em jogo pode morrer como uma planta sem água e sem sol. E é isso que vem acontecendo em nosso curso. De cinco anos para cá o número de estudantes que prestam vestibular para Matemática vem diminuindo junto com o aumento da evasão. Uma das ciências mais importantes da história vem perdendo lugar para o imediatismo mercadológico e suas implicações. Há tempos atrás, na época da ditadura, os universitários não participavam ativamente dos processos que envolviam o enriquecimento social e coletivo, pois eram punidos por isso. Felizmente hoje podemos celebrar a vitória da democracia, mas não podemos esquecer que as grandes corporações usam de artifícios muito mais elaborados para coibir e intervir em nossas ações. A segregação em grupos fechados, a falta de apoio aos nossos alunos já oprimidos e enfraquecidos pelas imposições práticas da vida, vem tomando o lugar do diálogo e dando lugar a uma grande estagnação do ensino e da educação. Não podemos deixar que rinchas internas e a ignorância impeçam nossa percepção de evoluir de maneira saudável, nem enfraqueçam ainda mais nossa classe.
Acatamos a decisão da maioria dos alunos presentes na assembleia geral do nosso curso e vamos levar nossa posição tomada em conjunto para todo o restante da comunidade acadêmica. Mas já pensaram no impacto que isso pode causar? Mais uma vez seremos vistos como um curso conservador, com medo de inovar e de fazer boas modificações na sociedade. Estamos perdendo a oportunidade de participar ativamente de um processo que poderia finalmente alcançar seu objetivo, pois não existe união nem mesmo dentro das classes que se tangem, quem dirá entre classes diferentes umas das outras. Quando o nosso Restaurante Universitário e nossa biblioteca pararem é que vamos sentir a greve de fato nos afetando e aí teremos que passar por todos aqueles processos de negociações cansativas até que resolvamos desistir de lutar mais uma vez. E por fim, mesmo que a greve não tome força e termine logo, perderemos mais uma vez a oportunidade de ao menos mostrar ao Estado nossa indignação pela forma na qual vem sido conduzida as políticas públicas de educação no Brasil. Por isso, companheiros, desejo lhes que vivam a matemática do dia-a-dia, ponderem suas escolhas, realizem estratégias capazes de modificar, inovar e melhorar a sociedade ao invés de buscarem sempre por um objetivo individualmente.
Abraços!
Ton Lupes
Ton Lupes

Muiiito bom Ton...
ResponderExcluirArgumentos lindíssimos como sempre!
Parabéns!
Muito bom. O pensamento e redação do Ton foram excelentes, elucidadores e ainda mais fomentadores de "ira social" em nós. Mas, e daí? Fazer o que? Acaba na situação em que todos sabemos o que devemos fazer, mas nos acomodamos, conforme o próprio Ton disse abaixo:
ResponderExcluir"Por sermos esse espelho da sociedade, podemos concluir que existe um condicionamento e/ou aprisionamento de ideais sendo gerado em nossas mentes manipuláveis? Analisando como se deu nossa assembleia, podemos notar que não há nenhum interesse da maioria em lutar por causas que possam fazer a diferença em nossa sociedade".
Continuo acreditando que tem muita gente querendo "sair da geral" e entrar em campo, mas um espera pelo outro enquanto os fungos apodrecem as raízes e as lagartas devoram o broto. E sempre MAIS UMA VEZ... ficará como as pragas e pestes querem:
"Mais uma vez seremos vistos como um curso conservador, com medo de inovar e de fazer boas modificações na sociedade. Estamos perdendo a oportunidade de participar ativamente de um processo que poderia finalmente alcançar seu objetivo, pois não existe união nem mesmo dentro das classes que se tangem, quem dirá entre classes diferentes umas das outras."
Eu fiz parte da geração dos anos 80 que foi as ruas reclamar pelas diretas e o restabelecimento da democracia. Não levamos na hora...Cinco anos mais tarde conseguimos uma bela constituição garantidora dos direitos civis que tanto buscávamos. Fechamos os olhos para o jogo do poder que, como na ocasião da lei da anistia, gerenciou os conclames públicos, a seu favor, minimizando seus efeitos sobre os poderosos. E ai, fomos jogados para dentro dos nossos escritórios, postos a trabalhar desesperadamente na busca de atingir os índices de produtividade das agências e dos governos. Paramos de refletir sobre nosso trabalho, nossa função social, nossa atuação em sala de aula. Criamos um deserto imaterial. Deixamos nossos alunos a mingua, de idéias e ideais. Como se "pão e circo" fosse mesmo tudo o que precisamos para viver...
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